Olivas da Aurora: direito e literatura
Josiane
Rose Petry Veronese (Org.)
Alexandre Morais da Rosa (Apresentação)
Florianópolis:
Editora EMais, 2018, 276 pp.
ISBN:
978-85-94142-24-5
Apresentação
“O senhor importa-se que eu lhe conte a história da minha vida? Há sempre
um dia em que temos que contar tudo. Mesmo que depois acabemos arrependidos. Se
bem que eu, não sei porquê, nunca fui de muito de arrependimentos. As minhas
amigas espantam-se”, nos diz Inês Pedrosa. Demorei mais do que deveria para
apresentar o livro por duas razões básicas. A primeira delas é a de que a
Professora Doutora Josiane Rose Petry Veronese foi minha professora na
graduação e tenho imenso respeito e admiração por sua trajetória. Foi com ela
que aprendi os primeiros passos sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e,
depois, como Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude de Joinville,
Santa Catarina, pude implementar muito do que ela (e eu) defende(mos). Há,
assim, um respeito reverencial pelo que me ensinou. O segundo é a riqueza do
livro que segue, composto por professores das mais diversas áreas do Direito
(Angela Maria Konrath, Carlos Alberto Crispim, Eduardo Rafael Petry
Veronese, Geralda Magella de Faria Rossetto, Josiane Rose Petry Veronese,
Mayra Silveira, Patrícia Rodrigues de Menezes Castagna, Olga Maria Boschi
Aguiar de Oliveira, Sandra Muriel Zadróski Zanette, Wanda Helena Mendes Muniz
Falcão, Vanessa Kettermann Fernandes e Vivian De Gann dos Santos), com pesquisas
de diversos campos, articulados pelo viés da Literatura. A Literatura, aqui,
serve de metáfora para que possamos, desde a perspectiva individual, analisar
os mais variados fenômenos do campo jurídico.
Desde a leitura fina de Victor Hugo, passando pela temática das mulheres em
Clarissa Pinkola Estés, com pitadas de Campos de Carvalho, Kazuo Ishiguro,
Jorge Amado, Manoel Barros, Aldous Huxley, Roger Mello, Angel Barcelos, Claudia
Werneck, Fernando Sabino, Hugo Monteiro Ferreira, José Saramago e Umberto Eco,
os textos se vinculam com a marca do impossível. São textos que em sua grande
maioria trazem à tona a questão das injustiças, das dificuldades cognitivas e
do egoísmo em sociedades ultracapitalistas em que a satisfação pessoal deixa de
lado o aspecto coletivo e humano. Só por isso já vale a pena ler, além do que,
as incursões nos propiciam parar e refletir sobre o que há e qual nossa posição
subjetiva sobre o que se passa, convocando o leitor a tomar uma atitude. Depois
das leituras permanecer impassível é umas das opções, cujo preço deve ser pago
com responsabilidade.
Com isso chego em Fernando Pessoa, desassossegado. Folheio no lampejo da
luz que ilumina a cabeceira da cama, depois de mais um gole de café. Diz
Pessoa: “sou todas essas coisas, embora o não queira, no fundo confuso de minha
sensibilidade letal”. Daí que me apodero do trajeto que faz com que me recorde
de diversos encontros de Direito e Literatura em que a voz transborda o texto
que segue. Isso porque a performance em que o livro “apresenta” em seus textos
está para além da leitura monocórdia; o texto se supera e representa as vozes,
os trejeitos, os anseios e pausas que dão o sentido que falta, muitas vezes,
para quem não viu, mas pode imaginar. Quem sabe possa ocorrer um Congresso para
cada um poder dizer o que o texto sugeriu.
Leio o livro como panegírico justamente por não comportar nem crítica, nem
censura. Na teia de significantes que se costura, surgem personagens
fundamentais da vida de cada autor, bem assim da minha. O efeito do texto no
leitor será da ordem do singular, em que a fusão de horizontes desejantes não
se articula de modo totalmente racional. E aí que o texto ganha um sabor, um
gingado, uma malemolência, enfim, um momento de amarra que desamarra. O impacto
do livro é o de nos deixar só, mas não sozinhos. Com isso lembrei de Guy Debord
que isolado, disse: “A propósito de alguém que tem sido, tão essencial e
continuamente como eu, um homem das ruas e das cidades – com isso pode-se
avaliar até que ponto minhas preferências não virão falsear muito meus
julgamentos -, convém ressaltar que o encanto e a harmonia dessas poucas
temporadas de grandioso isolamento não me passaram desapercebidos. Era uma
agradável e impressionante solidão. Mas, na verdade, eu não estava só: estava
com Alice”. Entre Alices, meninas, meninos, admiráveis mundos, surge um acerto
de contas com o passado em que muitos dos textos puderam, enfim, ser
estabelecidos. Não só na interlocução do Direito com a Literatura; é mais;
trata-se de rever as certezas ingênuas de muitos. Com Pessoa novamente, “não se
pode comer um bolo sem o perder”. Não se pode acabar de ler o livro sem se
perder em paragens que nos fazem repensar o sentido da vida, do contexto, dos
deslizamentos e do preço que se paga por amar e mudar as coisas. Parafraseando
Pessoa não há saudade mais dolorosa do que a que nunca foi. Mas dói. Lampeja.
Cava ranhuras na textura de uma pele nua que insiste em dizer fui. Um amigo
caro, Luis Alberto Warat, dizia que a “intimidade é permitir que o outro entre
em tua reserva selvagem, que te veja ainda nas coisas que tu mesmo não
consegues ver. Amar é mostrar-se vulnerável ao outro com a absoluta confiança
de que o outro não tentará aproveitar-se da tua vulnerabilidade para
converter-se em teu amo. Essa é a arte do amor, a mais esplendorosa alquimia
que pode imaginar-se. O amor é uma arte”. O convite está feito, o livro
estabelecido, enquanto o desejo flui entre nós, vez-em-quando sem que possamos
controlar seus arroubos, nem os arrependimentos.
O trajeto das interlocuções entre Direito e Literatura na UFSC teve com
Luis Olivo Cancelier uma primeira história, ceifada tragicamente em ato que
revela a dimensão humana do desafio de se manter vivo e enfrentar a angústia e
injustiças da vida jurídica. Além dele, a Rede Brasileira de Direito e
Literatura (André Karam Trindade, Lenio Streck, Calvo González, dentre outros)
sustenta um saber sobre o enigma da vida (jurídica). Saudade é para quem pode,
não quem quer. E o livro faz isso: uma saudade do que se pode fazer. Ainda. Boa
leitura.
Alexandre Morais da Rosa
Professor
de Direito (UFSC-UNIVALI). Juiz de Direito (TJSC). Doutor em Direito (UFPR).
Prefácio
Josiane Rose Petry Veronese
Apresentação
Alexandre Morais Rosa
- O último dia de um condenado de Victor Hugo: o resgate
da fragilidade humana
Geralda Magella de Faria Rossetto
Josiane Rose Petry Veronese
- Mulheres sábias e guerreiras: a Constituição como guardiã
dos direitos fundamentais
Olga Maria B. Aguiar de Oliveira
- Campos de Carvalho: a leitura do jurista mais ou menos ou
do mais ou menos jurista
Alexandre Moraes Rosa
- A linha tênue entre anistia, amnésia e o direito ao
esquecimento: análise de O gigante enterrado, de Kazuo Ishiguro
Eduardo Rafael Petry Veronese
- Infâncias negadas em “Capitães da areia”
Josiane Rose Petry Veronese
Mayra Silveira
- O Menino do mato e a ‘criancês’ de Manoel de Barros: as
culturas infantis brasileiras e o direito de expressão da criança
Josiane Rose Petry Veronese
Wanda Helena Mendes Muniz Falcão
- Criança e Consumo: o que “Admirável mundo novo” tem a
dizer
Josiane Rose Petry Veronese
Sandra Muriel Zadróski Zanette
- Infância roubada: a violência do trabalho Infantil em
Carvoeirinhos
Josiane Rose Petry Veronese
Vivan De Gann dos Santos
- A literatura como mecanismo de inclusão nas obras: Meu
irmão não anda, mas pode voar; O Serelepe e o Paradão e “Júlia e seus amigos”
Carlos Alberto Crispim
Josiane Rose Petry Veronese
- “A vitória da infância”: o pleno direito de ser criança
Josiane Rose Petry Veronese
Vanessa Kettermann Fernandes
- A literatura infantil em “Antônio” e o árido tema da
violência sexual
Josiane Rose Petry Veronese
Patrícia Rodrigues de Menezes Castagna
- A cegueira que aniquila valores: para onde caminamos?
Angela Maria Konrath
Josiane Rose Petry Veronese
- Ecos de Eco na História das terras e lugares lendários:
a fraternidade como locus de inspiração e guia à memória agápica
Geralda Magella de Faria Rossetto
Josiane Rose Petry Veronese
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